Vitória da cultura popular: Justiça faz o óbvio e libera Paixão de Cristo em Pacatuba

Depois de semanas de disputa, prevaleceu aquilo que deveria ter sido óbvio desde o início: a Justiça liberou a realização da Paixão de Cristo de Pacatuba, no Ceará. Um espetáculo tradicional, feito por artistas da própria comunidade, reconhecido não apenas como manifestação religiosa, mas como patrimônio cultural e social.
A tentativa de barrar o evento foi um claro sintoma de uma guerra cultural mal disfarçada. Com o argumento de que o Estado é laico — o que é correto —, grupos tentaram impedir uma manifestação popular legítima, confundindo a laicidade do Estado com a necessidade de censurar a cultura enraizada no povo.
Vamos deixar claro: Estado laico não é Estado anticristão. Estado laico significa que o governo não impõe nem privilegia religiões. Um espetáculo teatral como a Paixão de Cristo — ainda que baseado em uma narrativa cristã — não configura imposição religiosa, e sim expressão cultural. Há uma diferença fundamental aí que muitos fazem questão de ignorar.
A Paixão de Cristo de Pacatuba é, há décadas, uma celebração comunitária. Centenas de pessoas se envolvem na produção — muitos de forma voluntária. Comerciantes locais se beneficiam, o turismo é aquecido, empregos temporários são gerados. Em uma cidade que, como tantas no interior do Brasil, luta para manter sua economia girando, barrar um evento como esse seria um tiro no pé, um desprezo absoluto pela realidade local.
O que está em jogo aqui é mais do que a realização de um espetáculo. É o direito de uma comunidade contar sua própria história. É a proteção da cultura popular diante de uma militância que, muitas vezes, atua de maneira elitista e desconectada da base social que diz defender.
Se formos levar ao extremo essa visão, daqui a pouco teremos que cancelar quadrilhas juninas porque mencionam santos católicos, proibir reisados, lapinhas e qualquer outra manifestação que tenha raízes religiosas — ignorando que a própria história do Brasil é atravessada por essas expressões.
Cultura não se resume a exposições em museus caros ou peças de teatro elitizadas em grandes centros urbanos. Cultura também é a encenação feita com esforço, suor e fé por comunidades como Pacatuba.
Por isso, a decisão da Justiça é uma vitória — mas é também um alerta. A cultura popular precisa ser defendida com unhas e dentes, especialmente num tempo em que parece mais fácil deslegitimá-la do que reconhecer sua importância.
A Paixão de Cristo de Pacatuba não venceu apenas nos tribunais. Venceu no coração de quem entende que cultura, fé e povo são indissociáveis.